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quinta-feira, 19 de novembro de 2009

CONSELHO REGIONAL DE FAMÍLIA E POLÍTICOS A LESTE DOS DRAMAS SOCIAIS

Também esta manhã começou a ser debatido um Projecto de Decreto Legislativo Regional da autoria do CDS/PP, o qual visa a criação do "Conselho Regional de Família". O debate prosseguirá na sessão plenária da próxima Terça-feira. Na oportunidade assumi a seguinte posição, não deixando de dizer, para já, que sinto um certo desconforto por algumas reacções da bancada maioria parlamentar, que me levam a pensar quanto desfasados estão da realidade. Mas, enfim, o debate ainda agora principiou pelo que voltarei a este assunto. Ou serei eu o desfasado?
Senhor Presidente
Senhoras e Senhores Deputados,
Este tema é de particular relevância. Abordar as questões da família assume uma importância vital, pelo que nós saudamos o facto do CDS/PP, uma vez mais, aqui trazer esta proposta, que certamente não passará, por razões óbvias, mas que permite que se aborde esta questão face à qual, este é o nosso sentimento, anda muito político com responsabilidades a assobiar para o lado.
É um assunto muito sério que não pode ter uma abordagem discursiva leviana ou, então, uma atitude de enunciação de meia-dúzia de medidas eventualmente inscritas no tal programa de governo, que a maioria nesta Assembleia costuma sublinhar, no quadro daquilo que considera ser política de família. Trata-se de um assunto muito sério, repito, pelas múltiplas variáveis que envolve e sobretudo pela constatação prática do estado caracterizador de milhares de famílias da nossa Região.
Senhores Deputados, não podemos fechar os olhos como se nada estivesse a acontecer. Não podemos fechar os olhos aos galopantes níveis de pobreza, aos baixíssimos níveis de escolaridade, ao analfabetismo de uma maneira geral e ao analfabetismo funcional em particular, não devemos fechar os olhos aos números do desemprego que todos conhecemos, aos preocupantes números do alcoolismo, fechar os olhos aos números dramáticos da violência doméstica nos vários patamares de análise, a toxicodependência que está aí a consumir, de forma lenta mas consistente, as famílias, ricas e pobres e não podemos fechar os olhos às profundas desigualdades económicas, sociais e culturais. Basta ter presente estes aspectos, entre muitos outros, para percebermos que a célula vital da sociedade encontra-se numa crise avassaladora e refém ou vítima das políticas públicas.
Dirão senhores deputados que as famílias também são beneficiárias de ajudas diversas, mas essas são migalhas orçamentais bem-vindas, que atenuam e descomprimem a consciência dos políticos mas não resolvem o drama que as envolve. Por isso mesmo, salientou recentemente o Papa Bento XVI, “a família tem o direito a ser reconhecida na sua própria identidade, assim como a poder contar com a devida protecção cultural, jurídica, económica, social, sanitária e, muito particularmente, com um apoio que, tendo em conta o número dos filhos e os recursos económicos disponíveis, seja suficiente para permitir a educação”. Destas palavras também se infere que o problema está muito para além das migalhas orçamentais.
A propósito, aproxima-se uma época de solidariedade. Uma época que aquilo que de mais humano tem o Homem, o leva a encher uns cabazes e a entregá-los com o desejo de um bom Natal. Politicamente é a chamada solidariedade hipócrita que, uma vez por ano, consegue abrir os olhos e ver que ao nosso lado vivem pessoas que não pediram para nascer em berço pobre. E então, enquanto alívio da consciência, alguns promovem a festa, esquecendo-se que ela é efémera e que não é por aí que se alteram as circunstâncias a caminho da felicidade a que todos, sem excepção, têm direito. Há mais 360 dias por ano que a família tem de viver ou de sobreviver.
Dirão alguns dos senhores deputados, mas há medidas, evidentemente que sim. Ninguém as nega. Mas não há, não é sensível, uma atitude enérgica nas políticas de família que estão muito para além do rendimento social de inserção, do complemento solidário de idosos, do subsídio de desemprego, do abono de família ou de qualquer outra prestação social. O que mais se ouve é “tenha paciência”.
Qualquer um de nós sabe que assim é, que esta sociedade que está a ser construída, muitas vezes aplaudida pelos que passam necessidades, é uma sociedade não da inclusão, não da transmissão de valores humanos, mas uma sociedade que a todo o momento está a ser passada pelo ferro triturador que atenta, desumanamente, contra os próprios direitos do Homem. Em consciência, todos nesta sala sabem que assim é. Até porque nem todos nasceram no tal berço de ouro. Circunstâncias diversas da vida fizeram-nos aquilo que hoje somos, mas uma grande parte ficou pelo caminho e hoje arrasta-se contando cêntimos. Simplesmente porque não dispuseram de um conceito de família enquanto espaço privilegiado na realização da pessoa, espaço de transmissão de princípios e de valores e, em última instância, da própria estabilidade social.
Senhor Presidente, senhoras e senhores deputados, ainda o ano passado aqui referi, segundo dados vindos a público, que nos quatro anos anteriores, aqui, na nossa Região, mais de uma centena de pessoas tinha posto termo à vida. Nas últimas duas semanas foram mais três. Isto fora os homicídios que se vão dando de quando em vez. Senhores Deputados, isto é dramático e deve merecer uma atenta análise, deve constituir motivo de estudo, de investigação e de busca para perceber as causas deste e de outros dramas que a nossa sociedade passa, que abalam e destroem os alicerces da família pelos imensos factores que estão associados.
É por isso que não colhe a defesa de que isto é assim, infelizmente, um pouco por todo o lado. Nós somos uma Região Autónoma, temos uma Assembleia e dispomos de um governo. Por esta mesma razão é competência e dever dos órgãos eleitos, enfrentar e combater as causas que subjazem aos dramas sociais, sejam eles de natureza patológica, sejam eles de natureza estrutural em que a sociedade se organiza. Não é possível caminharmos no sentido de uma sociedade mais equilibrada, menos assimétrica em todos os quadrantes, uma sociedade que gere felicidade quando ela própria permite a desestruturação do mundo do trabalho, quando ela assenta no ridículo princípio que a coisa mais certa é o emprego incerto. São os horários de trabalho estendidos tarde e noite fora, são as remunerações desajustadas relativamente ao trabalho realizado, é a negação que tantas vezes acontece de conceder uns míseros euros de complemento de pensão, enquanto o dinheiro público se esvai em megalomanias, são as horas extraordinárias que não se pagam, são os atrasos no pagamento da facturação das entidades públicas junto de quem gera emprego, são as crianças e jovens que ficam entregues a si próprias enquanto os pais trabalham noite adentro, afinal, senhores deputados, nós, aqui, enquanto primeiro órgão de governo próprio, pergunto: o que estamos aqui a fazer em defesa da família?
Serão as tais migalhas orçamentais para atender às grandes questões sociais que resolverão este drama de natureza sociológica? Não acredito. Do nosso ponto de vista, o que se impõe, nesta terra Autónoma, é a assentar a política económica à luz de objectivos de emancipação cultural. Sem cultura, cultura aqui num sentido lato do termo, não existe qualidade, sem qualidade não pode existir inovação e sem inovação pode haver desenvolvimento. Como compaginar tudo isto, está nas mãos dos políticos, nas mãos de quem governa, nas mãos de quem defina como prioritário assumir um projecto colectivo que aglutine e dinamize o corpo social. Portanto, há que mudar as estruturas de pensamento político sobre a família, evoluir na mentalidade, começando por devolver à família o respeito e a importância que ela deve ter enquanto elemento desse corpo social.
Senhor Presidente, senhoras e Senhores Deputados, basta de bolas à trave e de pontapés para o ar. Basta de discursos assentes na velha historieta que está tudo no programa de governo, que há projectos, que há medidas e objectivos definidos. O que se constata, na prática, é que não há forma de resolver o confrangedor quadro social. Há aqui problemas sistémicos que devem ser estudados e nada melhor para isso do que um Conselho Regional que possa, através de uma criteriosa divisão de pelouros de estudo, desenvolver trabalhos que ajudem à definição e compreensão dos fenómenos no quadro das políticas de família.
Senhores Deputados, ninguém pode ignorar o abandono precoce no sistema educativo, o porquê do insucesso escolar, o número de crianças e jovens que estão institucionalizadas e o significado que isso tem, a existência de desajustamentos graves na juventude, a gravidez precoce, a existência de crianças que estão matriculadas para poderem ter acesso a uma refeição quente, o sofrimento de muitas famílias onde em cada mês sobra mais mês. Ninguém deve ignorar a realidade.
Regressamos ao princípio para dizer, a terminar, que o sentimento humano implica uma sensibilidade para estes problemas e que não é com posições politicamente extremadas e discursos de justificação esfarrapada das políticas de governo que se encontrarão as soluções para a vertiginosa decadência da família enquanto célula da organização social. Nós vamos votar favoravelmente este projecto pelo que ele significa de preocupação pela estrutura familiar.
Foto: Google Imagens. diáriodaincerteza.blogspot.com

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