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domingo, 1 de agosto de 2010

A CULTURA DO CHUMBO



Trata-se, aliás, de uma questão que não é nova, mas que tem estado à margem da discussão pública e, naturalmente, política. Tem existido uma espécie de tabu em redor deste assunto, um receio em estudar, aprofundar o conhecimento e analisar as razões que levam a colocar este tema em cima da mesa. E talvez tudo isto porque transportamos a cultura do chumbo que impede que se encontrem outras soluções. E essas outras soluções nada têm a ver com facilitismos, menos rigor, menos resultados, pelo contrário, têm a ver com maior participação, maior exigência, maior doação do professor e do aluno e, portanto, tem a ver com a conquista do sucesso.


O Presidente do Governo falou do que não sabe, em uma espécie de ignorância altifalante. E no mesmo sentido vários partidos nacionais teceram considerações a propósito das retenções dos alunos, sobretudo no Ensino Básico. Apenas o Bloco de Esquerda e a Fenprof teceram considerações globalmente interessantes e para reflectir. Trata-se, aliás, de uma questão que não é nova, mas que tem estado à margem da discussão pública e, naturalmente, política. Tem existido uma espécie de tabu em redor deste assunto, um receio em estudar, aprofundar o conhecimento e analisar as razões que levam a colocar este tema em cima da mesa. E talvez tudo isto porque transportamos a cultura do chumbo que impede que se encontrem outras soluções. Até na Assembleia tudo se chumba desde que não constitua proposta do governo! E essas outras soluções nada têm a ver com facilitismos, menos rigor, menos resultados, pelo contrário, têm a ver com maior participação, maior exigência, maior doação do professor e do aluno e, portanto, tem a ver com a conquista do sucesso. É preciso que se tenha presente que a nossa cultura é a do insucesso, com ela convivemos durante muitos anos, está interiorizada e daí as rotinas do pensamento serem fechadas e sempre difícieis de ruir. É facil dizer não a uma perspectiva que se abre, saber porque motivo se diz não, convenhamos que é sempre mais difícil.
Sobre esta matéria tenho acompanhado vários investigadores, os seus posicionamentos e domino, minimamente, o que se passa em vários países que hoje são referência para todos nós pelo sucesso alcançado. Nenhum deles fala em facilitismos e nenhum fala de ausência de rigor. Genericamente abordam uma questão que tem de ser analisada e implementada de forma globalizante, isto é, com políticas em vários sectores, áreas e domínios de intervenção social. Não apenas na esfera da Escola enquanto instituição, mas em uma perspectiva a montante da Escola, na organização e cultura familiar e na organização e cultura do trabalho. É evidente que a Escola, enquanto instituição, ela é essencial e tem, por isso mesmo, que mudar. Mudar uma concepção baseada no toca-entra-toca-sai, o que implica reformular conceitos que derivam da longínqua Sociedade Industrial, rever, articulando, a questão curricular e programática e, enquanto organização interna, livrar-se de toda a tralha que hoje a Escola está cheia, onde o acessório tem vindo a matar o essencial das aprendizagens e das competências relevantes. Tralha que tem a ver com conceitos, com conteúdos e com a burocracia que invadiu as mesas de trabalho dos professores. A cultura que temos é a de jogar para a escola tudo o que a sociedade e a família não resolve, e a escola, por isso, é hoje um mundo de "coisas", muitas que não servem para nada, e naquilo que é determinante, passa ao lado, queixando-se, depois, pelos péssimos resultados apurados. Em síntese, eu diria que essa nova cultura política deveria assentar em três vectores determinantes:
  • Novas políticas de família, pois sem uma actuação a montante da Escola não é possível inverter a mentalidade existente. Ademais, a Escola não pode nem deve ser remediadora social, nem a Acção Social Educativa deve constituir a mezinha que disfarce os males do sistema.
  • Uma nova concepção organizacional da Escola, tornando-a motivadora e aliciante. Isto implica uma ampla autonomia dos estabelecimentos de educação e de ensino e não uma autonomia mitigada e faz-de-conta, o respeito pela sua identidade e diversidade pedagógica, um baixo número de alunos por escola e por turma e uma formação inicial de professores mais condizente com os desígnios do sistema educativo.
  • Uma profunda revisão curricular e programática.
O problema é que o próprio Secretário Regional da Educação alinha no coro dos disparates, quando, há já algum tempo, afirmou que o fim das retenções significava "mascarar a realidade". Mas qual realidade? A dos 30% de pobres que partem em desvantagem na Escola? Ora, chumbar não é, neste quadro, a solução. Repetir um ano escolar significa uma condenação e eu não vou por aí. A Educação não pode assemelhar-se a um produto que, em fim de prazo, fica numa banca de produtos mais baratos. Se não consegues aqui (currículo normal) vê lá se te desenrascas acolá (currículo alternativo). Em nome da qualidade, do rigor e do sucesso escolar, o que inequivocamente precisamos é de um novo sistema educativo que tenha em consideração, repito: a organização social, a organização interna dos estabelecimentos de ensino, a organização curricular e a organização programática.
Depois, coloca-se a questão económica. Só no Continente, anualmente, as retenções custam 743 milhões de Euros por ano. Uma repetência custa ao erário público entre 3.000 e 4.000 Euros por ano/aluno. Na Madeira deve custar alguns milhares, talvez milhões (directos e indirectos - James Hechman, explica isso). Então, torna-se menos oneroso rever o sistema e atacar, logo ao primeiro sinal de insucesso, com pedagogias diferenciadas, os alunos que evidenciam maiores dificuldades. É mais económico e é o que os outros fazem com sucesso. E isto não se chama facilitar mas sim responsabilizar. Um trabalho que deve começar logo nas primeiras idades, a partir dos três anos. Já aqui escrevi, em tempos, o que James Heckman, Prémio Nobel da Economia (2000) assumiu depois de conduzir vários estudos sobre esta matéria: "Tentar sedimentar num adolescente o conhecimento que deveria ter sido apresentado a ele dez anos antes custa mais e é menos eficiente (...) os números são espantosos. Uma criança de 8 anos que recebeu estímulos cognitivos aos 3 conta com um vocabulário de cerca de 12 000 palavras – o triplo do de um aluno sem a mesma base precoce. E a tendência é que essa diferença se agrave. Faz sentido. Como esperar que alguém que domine tão poucas palavras consiga aprender as estruturas mais complexas de uma língua, necessárias para a aprendizagem de qualquer disciplina? Por isso as lacunas da primeira infância atrapalham tanto. Sempre as comparo aos alicerces de um prédio. Se a base for ruim, o edifício desmoronará".
Portanto, o que falta é investir mais na Escola, com a qualidade de uma nova cultura política. E essa cultura não existe porque o Presidente do Governo e o Secretário da Educação manifestamente não a têm, a avaliar pelas suas declarações públicas. Não foi por por acaso que o PSD na Assembleia Legislativa da Madeira chumbou o projecto de Decreto Legislativo Regional, apresentado pelo PS, que consubstanciava o "Regime Jurídico do Sistema Educativo Regional". Deixo aqui o texto do Artigo 9º sobre o sistema de avaliação dos alunos:
Artigo 9º
Sistema de avaliação das aprendizagens

1. No ensino básico, o processo de avaliação das aprendizagens dos alunos é de natureza contínua e formativa e a sua arquitectura, caracteriza-se por formas simples mas objectivas, centradas nas competências adquiridas, da responsabilidade do Conselho Pedagógico de cada estabelecimento de educação e de ensino, ouvidos os respectivos departamentos disciplinares.
2. Os alunos que demonstrem fragilidades devem ser, de imediato, objecto de intervenção em contexto de sala de aula. Se após essa aplicação de medidas compensadoras mantiverem fragilidades em uma ou mais disciplinas curriculares, obrigatória e imediatamente, beneficiarão de apoio acrescido nessas disciplinas.
3. Os estabelecimentos de educação e de ensino devem assegurar a participação dos alunos e dos encarregados de educação no processo de avaliação das aprendizagens, mormente através de uma permanente informação, de acordo com as regras que devem ser inscritas no respectivo regulamento interno.
4. No Pré-Escolar e no 1º Ciclo do Ensino Básico, a avaliação exprime-se de forma descritiva.
5. No 2º Ciclo do Ensino Básico, a avaliação exprime-se de forma descritiva e indicativa numa escala de 1 a 5.
6. No 3º Ciclo do Ensino Básico, a avaliação é indicativa e exprime-se, de forma descritiva, nas áreas curriculares disciplinares, centrada nas competências específicas adquiridas em cada uma das disciplinas, numa escala de 0 a 20 valores.
7. Não há retenções no ensino básico, salvo casos devidamente estudados e fundamentados em relatório do Conselho de Turma, onde conste, circunstanciadamente, o desenvolvimento do processo à luz do ponto 2) deste artigo.
8. Para fins de controlo do sistema educativo regional, serão realizadas, de forma adaptada ao currículo, provas de aferição nas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Humanas, Sociais, Físicas, Naturais e de Cultura Geral.
9. As provas de aferição realizam-se, por amostragem, no 2º ano e 4º ano do 1º ciclo, 6º ano de escolaridade e 9º ano de escolaridade.
Ora bem, o princípio que defendo é o da não retenção, conjugado com o ponto 2) e subordinado ao ponto 8) onde emerge, entre outras, a aferição da Cultura Geral, hoje ignorada, e que tantas limitações impõem no futuro. Obviamente que este é o meu posicionamento e o do grupo parlamentar a que pertenço, o que não significa que, tal como assumiu a Senhora Ministra, o tema não deva entrar no domínio do debate público. Só que há quem não queira, talvez, por medo dos resultados. Expliquem direitinho e verão os resultados!
Finalmente, ao contrário do que sucede na Região, onde se mantém o princípio de "quem não sabe não deve transitar de ano", a Secretaria Regional da Educação, repito, deveria explicar as taxas de insucesso e de abandono (vergonhosamente as maiores ao nível nacional) bem como a posição das nossas escolas nos "ranking's" nacionais de aproveitamento. O que ela denuncia, claramente, é que ainda não entendeu, o que é grave, o que significa o conceito de avaliação contínua; não entendeu que rigor no ensino-aprendizagem não significa chumbar nos primeiros anos entendidos como lastro da formação; que "facilitismo é chumbar, rigor e exigência é trabalhar" (talvez a frase mais feliz da anterior Ministra da Educação); não entende que é possível rigor e um alto grau de sucesso no processo ensino-aprendizagem quando se compaginam uma série de factores que não podem ser descurados. A Secretaria da Educação e Cultura não entende que se a sociedade está mal a escola não pode estar certa!
Ilustração: Google Imagens.

2 comentários:

Pensador disse...

Um professor de economia da universidade Texas, disse que raramente chumbava um aluno, mas tinha, uma vez, chumbado uma turma inteira. Esta turma em particular tinha insistido que o socialismo realmente funcionava: ninguém seria pobre e ninguém seria rico, tudo seria igualitário e "justo".

O professor então disse, "Ok, vamos fazer uma experiência socialista nesta classe.
Ao invés de dinheiro, usaremos as vossas notas dos exames."

Todas as notas seriam concedidas com base na média da turma e,portanto seriam "justas".
Isto quis dizer que todos receberiam as mesmas notas, o que significou que ninguém chumbaria. Isso também quis dizer, claro, que ninguém receberia 20 valores...
Logo que a média dos primeiros exames foi calculada, todos receberam 12 valores.

Quem estudou com dedicação ficou indignado, pois achou que merecia mais, mas os alunos que não se esforçaram ficaram muito felizes com oresultado!
Quando o segundo teste foi aplicado, os preguiçosos estudaram ainda menos - eles esperavam tirar notas boas de qualquer forma.
Aqueles que tinham estudado bastante no início resolveram que também eles se deviam aproveitar da media das notas.
Portanto, agindo contra os seus princípios, eles copiaram os hábitos dos preguiçosos.
O resultado, a segunda média dos testes foi 10. Ninguém gostou.

Depois do terceiro teste, a média geral foi um 5. As notas nunca mais voltaram a patamares mais altos, mas as desavenças entre os alunos, procura de culpados e palavrões passaram a fazer parte da atmosfera das aulas daquela turma.

A busca por 'justiça' dos alunos tinha sido a principal causa das reclamações, inimizades e senso de injustiça que passaram a fazer parte daquela turma.

No fim de contas, ninguém queria mais estudar para beneficiar os outros. Portanto, todos os alunos chumbaram...
Para sua total surpresa.

O professor explicou que a experiência socialista tinha falhado porque ela era baseada no menor esforço possível da parte de seus participantes. Preguiça e mágoas foi o seu resultado.

Sempre haveria fracasso na situação a partir da qual a experiência tinha começado.
"Quando a recompensa é grande", disse, o professor, "o esforço pelo sucesso é grande, pelo menos para alguns de nós.
Mas quando o governo elimina todas as recompensas ao tirar coisas dos outros sem o seu consentimento para dar a outros que não lutaram por elas, então o fracasso é inevitável."

O pensamento abaixo foi escrito em 1931.
"É impossível levar o pobre à prosperidade através de leis que punem os ricos pela sua prosperidade.
Por cada pessoa que recebe sem trabalhar, outra pessoa tem de trabalhar recebendo menos.

O governo só pode dar a alguém aquilo que tira de outro alguém.
Quando metade da população descobre de que não precisa de trabalhar, pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade, então chegamos ao começo do fim de uma nação. É impossível multiplicar riqueza dividindo-a."

André Escórcio disse...

Obrigado pelo seu comentário e pela sua história que, aliás, já conhecia, desde há muitos anos.
Sabe, o problema é muito sério, vasto, complexo e exige estudo. As histórias, confesso-lhe, pouco me dizem. Existem muitas variáveis relativamente às "retenções" que não se conjugam em uma história.
Estou disponível para um debate profundo sobre esta matéria, partindo do pressuposto que tenho a minha "verdade" mas que existem outras a considerar. Não discutí-las é que me parece muito grave.